Autor: Sky Kunde!
Literatura Pagã e o Novo Testamento
Neste tópico irei apresentar alguns exemplos de semelhanças curiosas e, talvez, embaraçosas entre a literatura pagã e os escritos neo testamentários. Todos os textos foram devidamente conferidos e podem ser encontrados online. Postei a maioria em inglês com a tradução logo abaixo, o que facilitará aos interessados a checagem das fontes com mais facilidade, tendo em vista que a internet em nossa língua ainda é muito pobre quanto a isso. Relevem os erros ou gafes de tradução.
Espero que seja uma boa fonte para consultas e usos futuros 1- Epístola aos Jônios
Os jônicos ou iônios (em Portugal usam-se os termosjónios, jónicos ou iónios[1]) eram um povo indo-europeu que se estabeleceu na Ática e noPeloponeso e foram depois para a Ásia Menor pela chegada dos dóricos. Na Ásia Menor habitaramHalicarnasso e Esmirna e entre os séculos XII e X a.C.formaram a Liga Jônia, composta por doze cidades florescentes: Éfeso, Samos, Priene, Colofón,Clazómenas, Quios, Mileto, Teos, Mionto, Lebedos,Foceia e Eritras. No século VI a.C. foram derrotados pelos persas e a sua revolta deu origem às Guerras Médicas. Jônico era sinônimo de grego, e era uma das quatro etnias que formaram o povo grego — juntamente com os aqueus, os eólios e os dóricos.Whereas the Providence which has guided our whole existence and which has shown such care and liberality, has brought our life to the peak of perfection in giving to us Augustus Caesar, whom it (Providence) filled with virtue for the welfare of mankind, and who, being sent to us and to our descendants as a Savior (soter), has put an end to war and has set all things in order; and whereas, having become visible, Caesar has fulfilled the hopes of all earlier times . . . not only in surpassing all the benefactors who preceded him but also in leaving to his successors no hope of surpassing him; and whereas, finally, that the birthday of the God (i.e. Augustus) has been for the whole world the beginning of the gospel (euangelion) concerning him, therefore, let all reckon a new era beginning from the date of his birth, and let his birthday mark the beginning of the new year. – Priene inscription, 9 AEC.
Considerando que a Providência tem guiado toda nossa existência, a qual tem mostrado tanto cuidado e tolerância, trouxe nossa vida à perfeição ao nos dar Augusto César, a quem a Providência encheu de virtude para o bem-estar da humanidade, e quem,sendo enviado a nós e aos nossos descendentes como Salvador, pôs um fim à guerra e pôs todas as coisas em ordem; e considerando que, tornado visível, César preencheu todas as esperanças das épocas passadas… não apenas superando todos os benfeitores que o precederam, mas também deixando aos seus sucessores nenhuma esperança de superá-lo; e considerando, finalmente, que o aniversário de Deus (isto é, Augusto) foi para todo o mundo o início da boa nova (evangelho) referente a ele, assim, que todos reconheçam que uma nova era se inicia a partir do seu nascimento, e que seu aniversário marque o início do novo ano. – Inscrição de Priene, 9 AEC (compare com Lucas 2:10-14)2- O Nascimento de Platão
Platão (em grego: Πλάτων, transl. Plátōn, “amplo”[1]Atenas, 428/427[a] – Atenas, 348/347 a.C.) foi umfilósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e dafilosofia ocidental.[2] Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas, entre eles a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento.Plato the son of Ariston and Periktione, was an Athenian . . . all say that there was at Athens a story that when Periktione was ready to bear children Ariston was trying desperately but did not succeed in making her pregnant. Then, after he had ceased his efforts, he saw a vision of Apollo. Therefore he abstained from any further marital relations until she brought forth a child [from Apollo] . . . Plato was born . . . on the 7th day of Thargelion, which was the day the Delians say Apollo was born . . . – Diogenes Laertius, Lives, 3:1-2
Platão, o filho de Aristão e Periktione, era um ateniense… [aqui o autor nomeia diversas fontes] todos dizem que havia em Atenas a história de que, quando Periktione estava pronta para ter filhos, Aristão tentou desesperadamente, mas não conseguiu engravidá-la. Então, após ter cessado seus esforços, ele teve uma visão de Apollo. Desde então se absteve de qualquer relações até que ela desse à luz uma criança (de Apollo)… Platão nasceu… no sétimo dia de Thargelion (mês do calendário ateniense), o qual era o dia que os Delianos dizem que Apollo nasceu… (compare com Mateus 1:18-25 e Lucas 1:26-35) – Diogenes Laertius, Vida dos Grandes Filósofos, 3:1-23- Os Milagres de Vespasiano
Tito Flávio Sabino Vespasiano, em latim Titus Flavius Vespasianus (perto de Rieti, 17 de Novembro 9 d.C. —Aquae Cutiliae, 23 de Junho 79), foi um imperador romano, o primeiro da dinastia Flávia, que ocupou o poder em 69 d.C., logo após o suicídio de Nero (68) e o conturbado Ano dos quatro imperadores (69). Foi proclamado imperador pelos seus próprios soldados em Alexandria. Sucederam-lhe sucessivamente dois dos seus filhos, Tito e Domiciano.A man of the people who was blind, and another who was lame, came to him together as he sat on the tribunal, begging for the help for their disorders which Serapis had promised in a dream; for the god declared that Vespasian would restore the eyes, if he would spit upon them, and give strength to the leg, if he would deign to touch it with his heel. 3 Though he had hardly any faith that this could possibly succeed, and therefore shrank even from making the attempt, he was at last prevailed upon by his friends and tried both things in public before a large crowd; and with success. – Suetonius, The Life of Vespasian 7:2-3
Um homem do povo que estava cego e outro que estava coxo, vieram até ele juntos assim que ele se assentou ao tribunal, implorando por ajuda para suas enfermidades como Serapis tinha prometido em um sonho, pois o deus declarou que Vespasiano restauraria seus olhos se cuspisse sobre eles e daria força à perna se a tocasse com seus calcanhares. Apesar de ter quase nenhuma fé de que isso poderia acontecer e estava temeroso de tentar, ele foi persuadido por seus amigos e tentou as duas coisas em público diante de uma grande audiência; com sucesso. (compare com Marcos 8:23 e Atos dos Apóstolos 3:2-7) – Suetônio, Vida de Vespasiano 7:2-3.O mesmo acontecimento é contado com mais detalhes por Tacitus, em The Histories 4:81. O filósofo David Hume chamou isso de o milagre mais bem atestado da história!
4- O “Teletransporte” do Sacerdote
He had entered, and was absorbed in worship, when he saw behind him one of the chief men of Egypt, named Basilides, whom he knew at the time to be detained by sickness at a considerable distance, as much as several days journey from Alexandria. He enquired of the priests, whether Basilides had on this day entered the temple. He enquired of others whom he met, whether he had been seen in the city. At length, sending some horsemen, he ascertained that at that very instant the man had been eighty miles distant. – Tacitus, Histories 4:82
Ele (Vespasiano) entrou e estava absorto em adoração, quando viu atrás de si um dos chefes do Egito, chamado Basilides, o qual sabia que estava, no momento, impedido por um doença a uma distância de dias de Alexandria. Ele perguntou aos sacerdotes se Basilides tinha entrado no templo neste dia. Perguntou a outros que o conheciam se ele tinha sido visto na cidade. Passado um tempo, tendo enviado alguns cavaleiros, ele confirmou que naquele mesmo instante o homem estava a oitenta milhas de distância. (compare com Atos 8:39-40) – Tácito, Histórias 4:825- A virgem, o menino e a era de ouro na Quarta Bucólica de Virgílo
Públio Virgílio Marão (em latim Publius Vergilius Maro), também conhecido como Vergílio ou Virgílio(Andes, 15 de Outubro de 70 a.C. – Brindisi, 21 de Setembro de 19 a.C.), foi um poeta romano clássico, mais conhecido por três obras principais, as Éclogas(ou Bucólicas), as Geórgicas e Eneida – apesar de vários poemas menores também serem atribuídos a ele.Este poema, composto em 40 a.C., está disponível em português, basta procurar por “Quarta Bucólica de Virgílio”.
… agora também volta a Virgem; volta
o reinado de Saturno; uma nova geração humana
desce do alto dos céus. Para o Menino que agora deve
nascer, sob o qual a raça de ferro terminará e uma raça
de ouro surgirá no mundo todo…
… Ele [o Menino] receberá
vida divina e verá heróis que se misturam com
deuses e será ele próprio visto por eles. E ele governará
um mundo pacificado pelas virtudes paternas.
… Sem ser chamadas, as cabras virão para casa, com
os úberes pejados de leite; e as manadas não terão
medo dos poderosos leões. Para teu prazer teu
berço produzirá uma cornucópia de flores. A serpente
morrerá e também a enganosa erva venenosa…
(passagens neo testamentárias que soam como esse poema são várias e bem conhecidas)
6- As Bacantes de Eurípedes e Paulo de Tarso
Eurípedes (também grafado Eurípides; do grego antigo: Εὐριπίδης) (Salamina c. 485 a.C. – Pela,Macedônia, 406 a.C.) foi um poeta trágico grego.Eurípedes foi o último dos três grandes autores trágicos da Atenas clássica (os outros dois foram Ésquilo e Sófocles). Especialistas estimam que Eurípedes tenha escrito 95 peças, embora quatro delas provavelmente tenham sido escritas por Crítias. Ele foi autor do maior número de peças trágicas daGrécia que chegaram até nós: dezoito no total (deÉsquilo e Sófocles sobreviveram, de cada um, sete peças completas). Hoje, é amplamente aceito que Rhesus, tida como a décima nona peça completa, possivelmente não seja de Eurípedes.[1] Fragmentos, alguns substanciais, da maioria das outras peças também sobreviveram.
As Bacantes conta a história da perseguição ao culto de Dionísio por Penteus (lembra outra perseguição?) Dois trechos desse poema nos são muito interessantes.
And those prisoned Maids withal Whom thou didst seizeand bind within the wall Of thy great dungeon,
they are fled, O King, Free in the woods,
dance and glorying To Bromios.
Of their own impulse fell To earth,
men say, fetter and manacle,
And bars slid back untouched of mortal hand.. – 516, 520
Aquelas donzelas aprisionadas que tu perseguiste
e manteve dentro dos muros da grande masmorra
se foram livres pelo bosque, dançando e glorificando a Bromius,
correntes e algemas caíram em terra por conta própria.
trancas se abriram sem serem tocadas por mãos humanas (compare com Atos 12:05-10 )
Dionísio para Penteus:
Better to yield him prayer and sacrifice
Than kick against the pricks*,
since Dionyse Is God, and thou but mortal. – 936
É melhor lhe dar rezas e sacrifício
do que dar murro em ponta de faca* (em tradução livre)
pois Dionísio é Deus, e tu mero mortal (compare com Atos 26:14)
“kick against the pricks” é um provérbio grego (σκληρόν σοι πρὸς κέντρα λακτίζειν) e é encontrado igualmente em Atos 26:14. As Almeidas traduzem como “Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões”.
Embora eu não tenha posto o trecho, há a parte em que Dionísio é libertado da prisão por um terremoto, como ocorre com Paulo em Atos 16:26.
7- Os Ressuscitados de Asclépio
Esculápio (em grego: Ἀσκληπιός, Asklēpiós; em latim:Aesculapius) era o deus da Medicina e da cura damitologia greco-romana. Não fazia parte do Panteãodas divindades olímpicas, mas acabou por se tornar uma das divindades mais populares do mundo antigo, a ponto de Apuleio dizer dele: Aesculapius ubique(Esculápio por toda parte).And having become a surgeon, and carried the art to a great pitch, he not only prevented some from dying, but even raised up the dead; for he had received from Athena the blood that flowed from the veins of the Gorgon, and while he used the blood that flowed from the veins on the left side for the bane of mankind, he used the blood that flowed from the right side for salvation, and by that means he raised the dead. I found some who are reported to have been raised by him,11 to wit, Capaneus and (Lycurgus,12 as Stesichorus says in the Eriphyle; Hippolytus,13 as the author of the Naupactica [p. 19] reports; Tyndareus, as Panyasis says;14 Hymenaeus, as the Orphics report; and Glaucus, son of Minos,15 as Melesagoras relates. – Apollodorus, The Library 3.10.3
Tendo-se tornado um cirurgião e conduzindo a arte a um alto nível, ele não apenas evitou que alguns morressem, mas levantou os mortos, pois recebeu de Atena o sangue que corre nas veias de Gorgon, e enquanto usava o sangue que corre nas veias do lado esquerdo para a maldição da humanidade, ele usava o sangue que corre do lado direito para a salvação e, através dele, levantou os mortos. Encontrei algumas pessoas sobre as quais dizem que foram ressuscitadas por ele, a saber: Capaneus e Lycurgus, como Stesichorus conta em Eriphyle; Hippolytus, como o autor de Naupactica conta; Tyndareus, como Panyasis diz; Hymenaeus, como os Órficos contam; e Glaucus, filho de Minos, como relata Melesagoras. – Apollodorus, Biblioteca 3.10.3
Desnecessário mencionar os ressuscitados no Novo Testamento _______________________________________________________
Artigo publicado por MAURÍCIO DIMANT - Judeu e Professor de Hebraico!
REINALDO JOSÉ LOPES Do G1, em São Paulo
Os Evangelhos do Novo Testamento, quatro relatos sobre a vida de Jesus aceitos por todas as igrejas cristãs, tradicionalmente são atribuídos a dois dos Doze Apóstolos (Mateus e João, filho de Zebedeu), a um companheiro do apóstolo Pedro (Marcos) e a um colaborador de São Paulo (Lucas). Para os atuais estudiosos da Bíblia, no entanto, o mais provável é que nenhuma dessas autorias tradicionais esteja totalmente correta. Embora muitos dos fatos contados pelos evangelistas possam realmente remontar à vida de Jesus, inconsistências e contradições deixam claro que nenhum de seus discípulos originais sentou-se pessoalmente para escrever uma biografia de Cristo.
“O que está claro é que os títulos que temos são um fenômeno editorial, que veio mais tarde”, resume Luiz Felipe Ribeiro, professor de pós-graduação em história do cristianismo antigo da Universidade de Brasília (UnB), que está concluindo seu doutorado na Universidade de Toronto (Canadá). “Os títulos demoraram para aparecer no corpo do texto. Os primeiros papiros com a fórmula atual para os títulos — ‘Evangelho segundo Marcos’ ou ‘Evangelho segundo João’, por exemplo — são de meados do século 3 [mais de 150 anos depois da data em que os textos teriam sido escritos].”
De acordo com Ribeiro, os estudos sobre como os livros da época recebiam seus títulos e atribuições de autoria também revelam que essa fórmula (envolvendo uma estrutura gramatical do grego conhecida como acusativo) é curiosamente única dos Evangelhos; nenhum copista anterior teria pensado em falar da “Ilíada segundo Homero”, por exemplo. “É muito improvável que essa mesma maneira de designar os textos surgisse de forma independente em quatro deles ao mesmo tempo. Por isso, tudo indica que se trata de uma mudança na maneira como os Evangelhos passaram a circular naquela época”, diz ele.
“O que está claro é que os títulos que temos são um fenômeno editorial, que veio mais tarde”, resume Luiz Felipe Ribeiro, professor de pós-graduação em história do cristianismo antigo da Universidade de Brasília (UnB), que está concluindo seu doutorado na Universidade de Toronto (Canadá). “Os títulos demoraram para aparecer no corpo do texto. Os primeiros papiros com a fórmula atual para os títulos — ‘Evangelho segundo Marcos’ ou ‘Evangelho segundo João’, por exemplo — são de meados do século 3 [mais de 150 anos depois da data em que os textos teriam sido escritos].”
De acordo com Ribeiro, os estudos sobre como os livros da época recebiam seus títulos e atribuições de autoria também revelam que essa fórmula (envolvendo uma estrutura gramatical do grego conhecida como acusativo) é curiosamente única dos Evangelhos; nenhum copista anterior teria pensado em falar da “Ilíada segundo Homero”, por exemplo. “É muito improvável que essa mesma maneira de designar os textos surgisse de forma independente em quatro deles ao mesmo tempo. Por isso, tudo indica que se trata de uma mudança na maneira como os Evangelhos passaram a circular naquela época”, diz ele.
Testemunho antigo — ou não?
O fato é que, além dos títulos explícitos em papiros, a primeira referência a quatro Evangelhos escritos pelos autores que conhecemos tradicionalmente — Mateus, Marcos, Lucas e João, nessa ordem — vem do bispo Ireneu de Lyon, escrevendo por volta do 190. No começo do mesmo século, outro bispo, Papias (cuja obra original não sobreviveu, mas acabou sendo citada por escritores cristãos posteriores), menciona apenas Mateus e Marcos.
A poucas décadas de “distância” dos apóstolos originais, Papias até parece dispor de informações mais confiáveis, mas uma série de coisas em suas afirmações não batem. Primeiro, ele parece se referir a Mateus como uma simples coleção de ditos de Jesus (logia, em grego), escritos originalmente em aramaico, a língua do dia-a-dia na Palestina da época de Jesus. No entanto, Mateus é na verdade uma narrativa, e o texto que temos parece ter sido composto diretamente em grego. Já Marcos seria o secretário ou intérprete de Pedro, o qual teria anotado (“de forma desordenada”, diz Papias), as pregações do líder dos apóstolos em Roma.
Além do fato de, na verdade, o Evangelho de Marcos ser uma narrativa altamente estruturada, sem sinal de desordem, ele não parece o tipo de coisa que um ex-colaborador de Pedro escreveria, afirma Ribeiro. “Existe, na verdade, uma hostilidade grande em relação a Pedro no Evangelho de Marcos, e talvez até uma rejeição de todos os Doze, que são retratados como covardes”, diz o pesquisador. Todos os Evangelhos mostram Pedro vacilando e até negando Jesus, mas enquanto Mateus atenua isso com a famosa cena em que Jesus promete a seu apóstolo “as chaves do Reino do Céu”, Marcos não apenas omite qualquer menção a isso como é bem provável que, originalmente, nem mostrasse Jesus aparecendo aos apóstolos depois de ressuscitar.
A poucas décadas de “distância” dos apóstolos originais, Papias até parece dispor de informações mais confiáveis, mas uma série de coisas em suas afirmações não batem. Primeiro, ele parece se referir a Mateus como uma simples coleção de ditos de Jesus (logia, em grego), escritos originalmente em aramaico, a língua do dia-a-dia na Palestina da época de Jesus. No entanto, Mateus é na verdade uma narrativa, e o texto que temos parece ter sido composto diretamente em grego. Já Marcos seria o secretário ou intérprete de Pedro, o qual teria anotado (“de forma desordenada”, diz Papias), as pregações do líder dos apóstolos em Roma.
Além do fato de, na verdade, o Evangelho de Marcos ser uma narrativa altamente estruturada, sem sinal de desordem, ele não parece o tipo de coisa que um ex-colaborador de Pedro escreveria, afirma Ribeiro. “Existe, na verdade, uma hostilidade grande em relação a Pedro no Evangelho de Marcos, e talvez até uma rejeição de todos os Doze, que são retratados como covardes”, diz o pesquisador. Todos os Evangelhos mostram Pedro vacilando e até negando Jesus, mas enquanto Mateus atenua isso com a famosa cena em que Jesus promete a seu apóstolo “as chaves do Reino do Céu”, Marcos não apenas omite qualquer menção a isso como é bem provável que, originalmente, nem mostrasse Jesus aparecendo aos apóstolos depois de ressuscitar.
Explica-se: os mais antigos manuscritos do Evangelho de Marcos terminam de forma meio abrupta, no versículo 8 do capítulo 16. O relato termina com Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé — três seguidoras de Jesus — indo ao sepulcro de Cristo. Lá, porém, encontram a tumba aberta e um misterioso rapaz de roupas brancas (talvez um anjo) dizendo que Jesus tinha ressuscitado. As mulheres, então, fogem assustadas, “e nada diziam a ninguém, porque temiam”. Tudo indica que, mais tarde, foram adicionados os versículos de 9 a 20, que encerram o Evangelho que temos hoje e contêm as aparições do Jesus ressuscitado a seus seguidores.
Marcos, o primeiroNa verdade, apesar de a ordem dos Evangelhos nas Bíblias atuais comece com Mateus, Marcos é quase certamente o mais antigo de todos os textos, talvez escrito um pouco antes do ano 70, quando o Templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos. O consenso entre os estudiosos é que Mateus e Lucas usaram Marcos como a base de seus próprios Evangelhos.
“Ambos se baseiam na estrutura narrativa de Marcos; Mateus e Lucas foram aumentados acrescentando-se a Marcos extratos de uma coletânea de ditos de Jesus que hoje está perdida”, escreve Geza Vermes, professor emérito de estudos judaicos da Universidade de Oxford, em seu livro “Quem é quem na época de Jesus” (Editora Record), recém-lançado no Brasil. “Quando Lucas e Mateus concordam entre si a respeito de algo, também concordam com Marcos; quando são diferentes de Marcos, também são diferentes entre si”, diz Ribeiro.
Além disso, Marcos é o evangelista que mais coloca expressões aramaicas na boca de Jesus ou das pessoas que entram em contato com ele, como o uso de Éfata (“abre-te”) para curar um surdo-mudo e Talitha cum (“menina, levanta-te”) para ressuscitar uma menina. “É o único evangelista que permite ao leitor ouvir um eco eventual das palavras de Jesus em sua própria língua”, diz Vermes.
Judeus ou pagãos?
Por essas e outras, a identificação do autor de Evangelho de Marcos como pagão de nascimento — e mesmo de Lucas ou João, autores de narrativas que parecem muito influenciadas pela cultura grega — não é confiável quanto alguns estudiosos costumavam imaginar. “Eu, por exemplo, acho que Marcos poderia muito bem ter uma origem na Galiléia”, diz Ribeiro. “De modo geral, essa dicotomia cultural muito forte entre judeus e pagãos de origem grega que a gente costuma imaginar é relativa. O judaísmo estava sob forte influência helenística fazia tempo.”
A influência judaica mais clara é a de Mateus, texto talvez escrito entre os anos 80 e 90 e repleto de referências à Lei de Moisés e às profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias. “Mas, mesmo no caso de Lucas, há um lado judaico bastante forte. A narrativa dele começa e termina no Templo de Jerusalém, por exemplo. Jesus nunca pisa fora do território de Israel na narrativa de Lucas. Isso não me parece à toa”, diz Vilson Scholz, professor de teologia exegética da Universidade Luterana do Brasil (RS) e consultor de traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.
Judeus ou pagãos?
Por essas e outras, a identificação do autor de Evangelho de Marcos como pagão de nascimento — e mesmo de Lucas ou João, autores de narrativas que parecem muito influenciadas pela cultura grega — não é confiável quanto alguns estudiosos costumavam imaginar. “Eu, por exemplo, acho que Marcos poderia muito bem ter uma origem na Galiléia”, diz Ribeiro. “De modo geral, essa dicotomia cultural muito forte entre judeus e pagãos de origem grega que a gente costuma imaginar é relativa. O judaísmo estava sob forte influência helenística fazia tempo.”
A influência judaica mais clara é a de Mateus, texto talvez escrito entre os anos 80 e 90 e repleto de referências à Lei de Moisés e às profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias. “Mas, mesmo no caso de Lucas, há um lado judaico bastante forte. A narrativa dele começa e termina no Templo de Jerusalém, por exemplo. Jesus nunca pisa fora do território de Israel na narrativa de Lucas. Isso não me parece à toa”, diz Vilson Scholz, professor de teologia exegética da Universidade Luterana do Brasil (RS) e consultor de traduções da Sociedade Bíblica do Brasil.
Scholz diz acreditar que, embora figuras como os apóstolos João e Mateus não tenham escrito pessoalmente os Evangelhos, é possível que as narrativas sejam obra de pessoas de “escolas” ligadas a eles, que teriam transmitido a tradição oral ligada aos primeiros discípulos em forma escrita. Para Scholz, o Evangelho de Lucas, escrito pelo mesmo autor dos Atos dos Apóstolos (em ambos os casos a obra é dedicada a um patrono conhecido como Teófilo, e há remissões entre um livro e outro), é o que tem associação mais plausível com o autor tradicional.
Explica-se: Lucas teria sido um médico de origem grega e, de fato, sua linguagem é uma das mais polidas e de estilo cuidadoso entre os Evangelhos, diz Scholz. Os Atos dos Apóstolos também usam o pronome “nós” em certas passagens, dando a entender que o narrador estava viajando junto com Paulo. “Eu já acho que Lucas é tão problemático [como autor verdadeiro do Evangelho] quanto os demais”, afirma Ribeiro. Ele lembra que há diferenças consideráveis entre o relacionamento de Paulo com os demais membros da Igreja como é retratado em Atos e a maneira como Paulo fala de Pedro e dos demais apóstolos em suas cartas — nesse caso, Paulo é bem mais agressivo e menos condescendente em suas críticas aos seguidores originais de Jesus.
Testemunhas oculares
Um detalhe que solapa, ao menos à primeira vista, a idéia de que alguns dos autores do Evangelho presenciaram as pregações de Jesus é a falta de uma identificação de quem escreve no próprio texto, ou mesmo de afirmações diretas de que o escritor viu tais e tais fatos acontecerem. “Isso pode ser apenas um detalhe de gênero literário — uma tentativa de demonstrar objetividade, por exemplo”, pondera Scholz.
Explica-se: Lucas teria sido um médico de origem grega e, de fato, sua linguagem é uma das mais polidas e de estilo cuidadoso entre os Evangelhos, diz Scholz. Os Atos dos Apóstolos também usam o pronome “nós” em certas passagens, dando a entender que o narrador estava viajando junto com Paulo. “Eu já acho que Lucas é tão problemático [como autor verdadeiro do Evangelho] quanto os demais”, afirma Ribeiro. Ele lembra que há diferenças consideráveis entre o relacionamento de Paulo com os demais membros da Igreja como é retratado em Atos e a maneira como Paulo fala de Pedro e dos demais apóstolos em suas cartas — nesse caso, Paulo é bem mais agressivo e menos condescendente em suas críticas aos seguidores originais de Jesus.
Testemunhas oculares
Um detalhe que solapa, ao menos à primeira vista, a idéia de que alguns dos autores do Evangelho presenciaram as pregações de Jesus é a falta de uma identificação de quem escreve no próprio texto, ou mesmo de afirmações diretas de que o escritor viu tais e tais fatos acontecerem. “Isso pode ser apenas um detalhe de gênero literário — uma tentativa de demonstrar objetividade, por exemplo”, pondera Scholz.
A única exceção é o Evangelho de João — justamente o “estranho no ninho” entre os quatro textos aceitos no Novo Testamento, por não seguir a mesma linha básica de narrativa dos outros três e apresentar uma visão teológica muito desenvolvida e elevada de Jesus, considerado o Verbo de Deus encarnado. Com base nisso, ele seria o texto mais tardio, escrito por volta do ano 100. “Muita gente vê influência da filosofia grega sobre João, mas a divisão clara do mundo entre luz e trevas, que a gente vê nele, já aparece nos Manuscritos do Mar Morto, a poucos quilômetros de Jerusalém”, diz Scholz. Em um ou dois trechos, o Evangelho de João diz que “a testemunha viu” os fatos narrados acontecerem.
“Eu acho possível que esse Evangelho remonte a uma testemunha ocular, mas o que ela viu foi retrabalhado pela comunidade à qual ela pertencia”, avalia Ribeiro. Seria o misterioso “discípulo amado” de Jesus — mas esse discípulo certamente não é João, o qual é mencionado separadamente no mesmo Evangelho. “Também vemos uma tensão política entre a comunidade desse discípulo amado e o grupo que seguia Pedro, por exemplo”, diz o pesquisador, lembrando que, numa das narrativas sobre o sepulcro vazio de Jesus, Pedro e o tal discípulo correm até a tumba, mas só o discípulo amado tem coragem de entrar primeiro. Seria uma forma de mostrar a precedência dela sobre Pedro.
No fundo, o que se sabe de seguro sobre os escritores dessas quatro obras-primas da cristandade primitiva está mesmo embutido no próprio texto — e, como tal, sujeito a interpretações. É muito difícil, por enquanto, colocar uma “cara” nos evangelistas. “Enquanto não houver outras descobertas arqueológicas de peso, ficamos nesse impasse”, diz Scholz.
“Eu acho possível que esse Evangelho remonte a uma testemunha ocular, mas o que ela viu foi retrabalhado pela comunidade à qual ela pertencia”, avalia Ribeiro. Seria o misterioso “discípulo amado” de Jesus — mas esse discípulo certamente não é João, o qual é mencionado separadamente no mesmo Evangelho. “Também vemos uma tensão política entre a comunidade desse discípulo amado e o grupo que seguia Pedro, por exemplo”, diz o pesquisador, lembrando que, numa das narrativas sobre o sepulcro vazio de Jesus, Pedro e o tal discípulo correm até a tumba, mas só o discípulo amado tem coragem de entrar primeiro. Seria uma forma de mostrar a precedência dela sobre Pedro.
No fundo, o que se sabe de seguro sobre os escritores dessas quatro obras-primas da cristandade primitiva está mesmo embutido no próprio texto — e, como tal, sujeito a interpretações. É muito difícil, por enquanto, colocar uma “cara” nos evangelistas. “Enquanto não houver outras descobertas arqueológicas de peso, ficamos nesse impasse”, diz Scholz.
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